KANELA TERÁ DOCUMENTÁRIO SOBRE SUA VIDA
Rio de Janeiro, RJ – Mais vitorioso técnico do basquete brasileiro, Togo Renan Soares, o Kanela, terá sua história contada pela primeira vez em um documentário. O filme sobre o técnico bicampeão mundial com o Brasil (1959 e 1963) tem como idealizador Raul Milliet Filho, mestre em história e política pela UERJ e um dos maiores estudiosos sobre Kanela.
"Ele não pode ser analisado somente pelos resultados no basquete. A militância dele no futebol, no pólo aquático e no remo transforma sua trajetória em uma das mais brilhantes", disse Raul.
O documentário pretende retratar essa versão da história de Kanela. O trabalho de pesquisa já foi finalizado, mas o documentário ainda não tem data de lançamento. "Vamos buscar financiamento", afirma Raul.
A história de Kanela é pouco conhecida no Brasil, embora seu nome esteja ligado à fase áurea do basquete brasileiro. A ele é creditada também grande parcela da inovação nos treinos e no sistema de jogo da modalidade.
"Era muito rigoroso e exigente. Os treinamentos eram planejados para quatro, cinco meses. Isso fazia a seleção muito forte", disse o ex-jogador Wlamir Marques, comandado por Kanela nos Mundiais de 1959, 1963 e 1970.
O técnico nasceu na Paraíba e se mudou para o Rio de Janeiro com 11 anos. Ingressou no Botafogo em 1921, onde ganhou o apelido por causa das canelas brancas.
No clube alvinegro, foi técnico de remo e polo aquático, embora não soubesse nadar. No futebol, dirigiu o time amador do Botafogo e o profissional do Flamengo, com passagens ainda por Bangu e EC Brasil. Mas foi no basquete que fez mais sucesso.
"Ele começou no Botafogo, mas teve uma briga com um homem forte e saiu. Era meu amigo e o ajudei a vir para o Flamengo, onde fez uma trajetória de sucesso e alcançou a seleção. Virou até flamenguista", disse Fernandinho, goleiro do time nos anos 1930.
O ex-treinador chegou ao Flamengo em 1948. Treinou o time principal de futebol de novembro daquele ano a março de 1949. Na mesma época, cuidava do time de basquete.
Kanela já havia sido sete vezes campeão estadual de basquete pelo Botafogo e aumentou suas conquistas no Flamengo. No total foram 12 taças estaduais, sendo dez consecutivas. Em 1951, assumiu a seleção brasileira.
Kanela não tinha formação superior, como o os técnicos de hoje. Ele aprendeu por meio de observação, experimento e pesquisa.
"Ele extraiu boa parte de seu conhecimento do livro 'My Basket-ball Bible', do técnico americano Forrest Allen. Tomou esse livro emprestado e ficou com ele. Ele lia e adaptava aos treinos. Tinha uma sequência lógica. Treinava muito contra-ataque, passes e arremessos", disse Renato Brito Cunha, assistente de Kanela nos anos 1960.
O lado humano de Kanela também é apontado como um fator que contribuiu para seu sucesso no esporte.
"Dá saudade só de falar dele. Foi meu técnico e amigo. A Gávea era como se fosse sua casa. Ele acompanhava o jogador do juvenil até ser campeão. Em quadra, era como um Bernardinho. Pulava, dava bronca, defendia de todos os jeitos o atleta", disse Doranita, ex-jogadora de basquete do Flamengo.
"Fora de quadra, era um José Roberto Guimarães. Um amigo, um brincalhão. Ele amava o que fazia", completou a ex-atleta, em alusão aos técnicos das seleções masculina e feminina de vôlei do Brasil atualmente.
"Ele morreu praticando isso até o fim. Tinha plena consciência de seu papel pelo esporte", resume Raul.
Kanela morreu aos 87 anos, em 12 de dezembro de 1992.
Pioneiro, Kanela foi vitorioso em vários esportes
Os números de Kanela na história do basquete são a prova de seu sucesso no esporte, mas, para o historiador Raul Milliet Filho, não dizem tudo.
"Foi importante pela luta em prol da democratização e da profissionalização do esporte. Foi o maior aliado do [jornalista] Mário Filho", disse Raul.
O treinador ainda foi pioneiro na aplicação de novas estratégias.
No futebol, foi percursor do chamado WM, esquema com três zagueiros, quatro meio-campistas e três atacantes. Embora ele já fosse usado na Europa, no Brasil as equipes ainda estavam atrasadas.
No basquete, passou a estimular os arremessos da "zona morta", região nos cantos da quadra. Também introduziu o "jump" -arremesso rápido após executar finta.
"Kanela começou como técnico antes de a primeira escola de educação física ser criada. A influência que ele recebeu foi do período em que estudou no colégio militar e teve um aprendizado muito grande no futebol", disse Raul.
A trajetória multidisciplinar, em outros esportes, também foi importante para seu conhecimento.
"Até a profissionalização do esporte, essa trajetória era comum a outros técnicos. O que foi incomum foi ele ser vitorioso à frente de vários esportes. Ele era também supervisor e diretor-executivo", completa Raul.
Por Rafael Valente e Tiago Ribas
Publicado na Folha de São Paulo
(6 de janeiro de 2013)